Grupo de trabalho do GDF e produtores desenham alternativas para explorar o enoturismo. No DF, a produção de uvas chega a 1,5 mil toneladas/ano
“Estou feliz com esse projeto do circuito de vinhos aqui, e vamos investir recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa para incrementar o setor e transformar o DF em um dos melhores produtores de vinho desse país”
Governador Ibaneis Rocha
A dica foi de Dom Bosco. No final do século 19, o religioso italiano sonhou com certa “terra prometida, entre os graus 15 e 20”, de onde jorraria muito leite e mel; um lugar de “riqueza inconcebível”, dando, assim, as coordenadas do local da futura capital do Brasil. Passados quase 140 anos da profecia, a região do cerrado também tem se mostrado farta em outro alimento: uva.
A produção local de parreiras é tão promissora que já se planeja uma “rota do vinho” na área rural para explorar como ponto turístico. Em parceria com produtores do Planalto Central, a Secretaria de Turismo (Setur) reúne um grupo de trabalho que envolve 22 entidades, entre órgãos, empresas e regiões administrativas, além de representantes do governo federal, que se debruçam sobre o tema desde maio passado.
Em visita à região do Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF), no Paranoá, o governador Ibaneis Rocha ressaltou a importância de expansão da rota do vinho para fortalecer a produção local, gerando emprego e renda para o Distrito Federal. “Estou feliz com esse projeto do circuito de vinhos aqui, e vamos investir recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa [FAP] para incrementar o setor e transformar o DF em um dos melhores produtores de vinho desse país”, afirmou o chefe do Executivo, ao inaugurar 13,5 km de asfalto na DF-285.
“A cadeia produtiva do enoturismo é muito ampla. Nós alcançamos do produtor rural ao empresário”
Vanessa Mendonça, secretária de Turismo
A secretária de Turismo, que acompanhou o governador na visita, reforçou: “Estamos estruturando esse roteiro com a certeza de que Brasília tem todas as condições favoráveis e que podemos projetá-la como capital do enoturismo, oferecendo para a população uma experiência única e inovadora”.
Ecoturismo é a atividade que associa à atividade turística elementos comuns à cultura do vinho, desde o processo produtivo, passando pelos aromas e sabores. O segmento vai além das propriedades de vinícolas propriamente ditas, incentivando a agricultura familiar, gerando empregos e renda, além de formação e qualificação de pessoas para o ramo. “Isso é muito importante, porque a cadeia produtiva do enoturismo é muito ampla”, pontua a titular da Setur. “Nós alcançamos do produtor rural ao empresário”.
Origens no PAD-DF
“É uma quebra de paradigma no turismo da região, uma experiência inusitada que vai fortalecer essa indústria, inclusive em nível social”
Ronaldo Trica, produtor
Até pouco tempo, a vinicultura para produção de vinhos finos era inconcebível por aqui. Essa realidade começou a mudar quando um grupo de agricultores do PAD-DF se especializou na produção de uvas finas. Nasceu, assim, a Vinícola Brasília, iniciativa de dez famílias que investiram em estrutura, tecnologia e equipamentos para a produção de vinhos finos na região. É aí que entra a Setur, com potencialização de uma rota do enoturismo no DF.
“Estamos falando de toda uma região que tem potencial nessa cultura do vinho, nas atrações turísticas e experiências diversas que uma rota vai trazer”, comemora a subsecretária de Produto e Políticas Públicas da Setur, Danielle Lopes.
O produtor Ronaldo Triacca, um dos integrantes do Grupo Vinícola Brasília, faz coro: “Embora algumas propriedades do DF já estejam praticando o enoturismo, estamos empolgados com a criação dessa rota. É uma quebra de paradigma no turismo da região, uma experiência inusitada que vai fortalecer essa indústria, inclusive em nível social”.
Crescimento da produção
Segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater), cerca de 40 produtores trabalham com uva no DF, abrangendo mais de 60 hectares entre plantio e produção. Isso dá uma média de 1,5 mil toneladas de várias espécies produzidas por ano na região. Boa parte dessa safra é destinada a consumo de mesa, ou seja, aquelas vendidas em caixas ou bandejas nos mercados ou feiras.
As uvas mais comuns na região são Niágara-rosada, isabel, vitória e itália. Em 2019 43 toneladas de uvas do DF foram comercializadas nas Centrais de Abastecimento do DF (Ceasa). De acordo com dados da Vinícola Brasília, em 2020, foram produzidas aproximadamente 5 mil garrafas de vinho fino. “Nessa safra, deve chegar a 12 mil garrafas”, calcula Ronaldo Triacca. “Ano que vem já estimamos subir para umas 25 mil”.
A diretora executiva da Emater, Loiselene Trindade, avalia: “O cultivo de uvas finas para a produção de vinho é recente na região. Essa parceria com a Secretaria de Turismo vai trazer uma nova roupagem ao turismo rural no DF”.
O vinho do cerrado
“A produção de uvas no local atrai turisticamente os apreciadores do vinho e gera renda aos agricultores; apoiar essa iniciativa é estar ao lado do cidadão e do futuro do DF”
Célio Rodrigues, administrador de Planaltina
Engana-se quem pensa que o cerrado seco e o clima tropical do Planalto Central são empecilhos para o cultivo de uvas e a produção de vinhos finos. Tudo é uma questão de pesquisa e, claro, adaptação. Assim atesta o engenheiro agrônomo e expansionista rural Felipe Camargo, da Emater.
“Brasília tem características de solo e clima que possibilitam, sem dúvida, o plantio de uva para produção de vinho”, assegura o profissional. “A uva é uma fruta de clima temperado, e estamos falando de uma região de clima tropical, então tem toda uma questão técnica, como poda, quebra de dormência ou mesmo aridez do solo, que pode ser adaptada.”
Tudo indica que está dando certo, já que espécies de uvas como syrah, cabernet franc, barbere e tempranillo se adaptaram bem à região. “Uma das espécies que não se adaptaram aqui foi a cabernet sauvignon”, sinaliza Felipe Camargo.
Administrador de Planaltina, uma das regiões administrativas fortes na produção de uva no DF, Célio Rodrigues acredita que a criação de uma rota do vinho vai impulsionar ainda mais a economia local no setor rural. “A produção de uvas no local atrai turisticamente os apreciadores do vinho e gera renda aos agricultores; apoiar essa iniciativa é estar ao lado do cidadão e do futuro do DF”, afirma.
Brazlândia na rota
As atividades do grupo de trabalho da Setur para a estruturação do DF como destino enoturístico seguem a pleno vapor. Integrantes de seis subgrupos criados pelo órgão fazem visitas em todo o DF. Além do PAD-DF, fazem parte do roteiro espaços de produção em Sobradinho e Planaltina.
Entre os trabalhos a serem desenvolvidos estão o mapeamento dos empreendimentos relacionados à pauta, como os vinhedos existentes na região, além de meios de hospedagem, bares e restaurantes. “Cada grupo vai fazer o mapeamento básico do que já pode ser usado como plano de trabalho”, antecipa a subsecretária de Produto e Políticas Públicas da Setur.
A região tradicional de cultivo de uva no DF, o ponto de partida para a produção local da fruta da família das videiras (Vitaceae), historicamente, é Planaltina. Mas também há registros de agricultores em Sobradinho, na região do Lago Oeste, e também em Vargem Bonita, no Riacho Fundo.
Maior produtor de frutas do DF, entre elas o morango e a goiaba, Brazlândia também quer fazer parte do turismo enológico. “O interesse desse novo mercado em Brazlândia vem crescendo porque é uma região administrativa com essa vocação agrícola”, avalia Felipe Camargo. “O pessoal de Brazlândia tem a expertise, já sabe trabalhar com frutas, e tudo o que eles fazem nesse ramo, fazem bem-feito”.
Dono de uma propriedade rural em Alexandre Gusmão, na região de Brazlândia, o agricultor Reinaldo da Silva Romeiro, 69 anos, é o único produtor de uva na cidade. Aposta no ramo desde 2010, plantando a espécie niágara-rosada em um espaço de 3 hectares e comercializando-a na Feira do Produtor, na Ceasa e em mercados. Ele acredita que a produção de uva em Brazlândia tem futuro na região. “O investimento é grande, mas vale a pena, é um negócio excelente”, aposta.
Fonte: LÚCIO FLÁVIO, da Agência Brasília, Edição: CHICO NETO