Em entrevista à Agência Brasília, a reitora pro tempore da UnDF destaca o trabalho que já é feito e os próximos passos na primeira universidade pública distrital
Há 30 anos, a capital federal patinava para ofertar educação superior pública distrital e gratuita em forma de uma universidade própria. Após um trabalho intenso de levantamento das improbidades das legislações anteriores, o Governo do Distrito Federal conseguiu chegar a uma proposição legal de criação da universidade distrital, sancionada, por meio de lei, em julho do ano passado.
Prestes a completar um ano de existência legal, a Universidade do Distrito Federal Professor Jorge Amaury Maia Nunes (UnDF) já tem o que comemorar. A instituição vem oferecendo cursos de graduação e pós-graduação nas escolas superiores de Gestão Pública, Ciências da Saúde (Escs) e da Polícia Civil, localizadas na Asa Norte, em Samambaia e no Riacho Fundo.
Em breve, a universidade terá um campus físico entregue no CA Norte. Há a previsão de um segundo campus no Parque Tecnológico para abrigar as faculdades de engenharia, tecnologia e inovação e a reitoria. Além disso, na última semana foi lançado o edital de concurso público para a contratação de 350 professores e tutores.
Em entrevista à Agência Brasília, a reitora pro tempore da UnDF, Simone Benck, abordou a criação da universidade, o funcionamento e os próximos passos.
Confira abaixo os principais trechos da conversa.
Após diversas tentativas, finalmente foi criada a Universidade do Distrito Federal. Como transcorreu esse processo para materializar a UnDF?
Várias iniciativas foram realizadas ao longo dos 62 anos de história do DF. O Distrito Federal já teve algumas universidades registradas na forma da lei. Em 1992, houve a primeira determinação legal de criar a UnAB [Universidade Aberta de Brasília]. Em 1993, ficou muito claro que o DF tinha o dever de criar um sistema de educação superior. Em 2001, numa outra tentativa, foi criada a Escs [Escola Superior de Ciências da Saúde], que é mantida pela Fepecs [Fundação de Ensino e Pesquisa das Ciências da Saúde] e, desde o ano passado, integra a Universidade do Distrito Federal. Em 2013, o Plano Distrital da Educação trouxe como meta ampliar a oferta de educação superior. Naquele momento, criou-se uma fundação, a Funab [Fundação Universidade Aberta do Distrito Federal], que foi se expandindo por meio de credenciamentos junto ao Conselho de Educação do DF de algumas escolas. Só que não culminou na oferta real de turmas de educação superior. Em 2019, começamos a materializar um projeto de lei que criasse uma política que respeitasse as necessidades e as vocações do DF para enfrentar os desafios e os novos tempos, que não viesse para concorrer com as universidades públicas nem para desmontar o sistema de educação privada. É um modelo para acoplar a expertise da Escs para além da saúde. No início de 2020, o governo apresentou o PL [projeto de lei], mas fomos atropelados pela pandemia. Em 2021, elaboramos o substitutivo e tivemos a felicidade, em 26 de julho de 2021, da sanção da lei [de criação da UnDF].
“É uma outra prerrogativa da lei da universidade que ela seja multiespacial e multicampi, não fique simplesmente abrigada em local, mas que chegue aonde a população precisa”
Quais foram os outros passos para constituir a universidade?
Apresentamos o projeto de criação da carreira docente. O desafio era não perder o modelo pedagógico da saúde. Esse projeto foi sancionado em novembro de 2021. Na mesma época, conseguimos mais uma legislação, que constitui esse tripé de fundamentação da Universidade do Distrito Federal. Fizemos uma emenda, sancionada pelo governador, à Lei Orgânica do DF que cria um Fundo da Universidade do Distrito Federal, de modo que o DF tira a partir de 2022 porcentagens permanentes em cada ano direto da receita líquida. Essa iniciativa é muito importante, porque você vê no cenário nacional muita dificuldade na questão da educação superior pública em relação a cortes de recursos. O governo entende essa necessidade e constituiu um arcabouço de três leis.
Qual é a importância da UnDF para a capital?
O GDF conseguiu aprovar uma lei que materializa a possibilidade de oferta de educação superior pública distrital gratuita, reverberando para a formação dos jovens e dos próprios servidores do DF a retornar na forma de prestação de serviços e cidadania para a sociedade local e impulsionando a relação de ensino, pesquisa e extensão à luz da resolução dos problemas locais e de uma metodologia de ensino inovadora.
Como é o funcionamento atual da UnDF?
Apesar de recém-criada, a UnDF já oferta vagas de educação superior. Hoje engloba a Escola Superior de Ciências da Saúde, com medicina e enfermagem, três mestrados e um doutorado em parceria com a UnB. Temos a Escola Superior de Gestão com dois cursos noturnos: gestão pública e gestão da tecnologia da informação, além da pós-graduação em metodologias ativas. Na Escola Superior da Polícia Civil tem a pós-graduação na formação de tutoria em segurança pública, e está autorizada a criação do curso de tecnologia e mediação de conflitos para ser ofertado o mais breve possível. A universidade atua com algumas formações de servidores em dinâmicas e tutoriais na própria metodologia ativa. Temos autorizada a Escola Superior de Educação, Magistério e Arte. Temos um campus físico sendo entregue pelo governo no CA do Lago Norte num espaço de 6,5 mil metros quadrados para atender, em 46 salas de aula, estudantes de toda a ponta norte, como Varjão, Granja do Torto, Colorado, Paranoá, Itapoã, Sobradinho e Taguatinga. Esse campus foi montado por ser de fácil acesso, estar em uma área em expansão e por ser um setor que abriga outras escolas da Secretaria de Educação, com as quais pretendemos dialogar. Esse prédio estava havia 15 anos sub judice. É uma outra prerrogativa da lei da universidade que ela seja multiespacial e multicampi, não fique simplesmente abrigada em local, mas que chegue aonde a população precisa.
A senhora falou sobre o campus da Asa Norte; há outras novidades em torno da UnDF, certo?
Junho de 2022 é muito importante. No mês que vem, a universidade completa, por lei, um ano da sua existência. Algumas entregas vêm sendo feitas no âmbito da gestão da reitoria pro tempore. Entre elas, o estatuto e regimento da universidade, recentemente publicados no Diário Oficial do DF. [Tivemos] o lançamento do primeiro edital de concurso público para composição da carreira Magistério Superior do Distrito Federal. São 250 vagas para professores e 100 para tutores, que já estão com destinação para ser efetivados e empossados no máximo nos próximos quatro anos. Ainda temos um cadastro-reserva de 1.050 vagas. Vale destacar que complementa esse bloco a entrega das instalações que foram qualificadas no CA do Lago Norte. Esse campus vai atender toda a bacia norte do DF.
“A Universidade do Distrito Federal tem uma perspectiva para atender a todas as cotas possíveis e ainda com alguma ampliação de oferta para justamente chegar a essa população que mais demanda”
Quais são as áreas de conhecimento da UnDF?
O estatuto aprovou a criação de quatro centros interdisciplinares. O Centro de Ciências Humanas, Cidadania e Meio Ambiente é vinculado hoje à Escola Superior de Gestão [da Secretaria de Economia] e à Escola Superior de Polícia. O Centro de Educação, Magistério e Artes, trabalhará em conjunto com as secretarias de Cultura e de Educação. Temos uma carência muito grande dentro da Secretaria de Educação de docentes na área de letras, matemática e física. Então a UnDF pretende, por meio dessa escola, fazer essa oferta o quanto antes. O outro centro é o de Engenharia, Tecnologia e Informação. Essa escola nasce e bebe do próprio Parque Tecnológico de Brasília. Assinamos um convênio com Biotic, FAP, UnDF e Novacap para construção de um prédio, onde será implementada a Escola Superior de Engenharia, Tecnologia e Inovação. O campus também abrigará a reitoria da universidade e se transformará em uma extensão de realização de pesquisa. É um convênio de R$ 56 milhões, com recursos da FAP e terreno do Biotic. O quarto centro é o de Ciências Biológicas e de Saúde, que integra a Escs. A ideia é que se expanda para novas ofertas de cursos de graduação e de pós-graduação. Vislumbramos nesse centro a criação da Escola Superior do Cerrado, com o Jardim Botânico e a Secretaria de Meio Ambiente, com a possibilidade de trabalhar cursos na área de gestão ambiental, estudos do cerrado, gastronomia e recursos hídricos. Mais um desafio que a universidade pretende enfrentar é implementar, por meio dessas escolas, uma carta de cursos necessários na formação profissional de cidadãos que dialogam no DF.
Quais novos cursos deverão ser incorporados?
Na escola de magistério, a previsão inicial são cursos na área de bacharelado disciplinar em ciências humanas, pedagogia, letras-português, letras-inglês, letras-libras, possivelmente com um pouco mais de tempo matemática e física. Uma outra possibilidade é um bloco de cursos na Escs que abrangeriam gestão hospitalar, fisioterapia e nutrição. Há quatro cursos pensados para a Escola de Tecnologia: bacharelado em sistema de informação, engenharia da computação, engenharia de software e ciências da computação.
Um dos grandes desafios das universidades públicas é atingir a parcela mais baixa da população. Como a UnDF vai enfrentar essa barreira?
A Universidade do Distrito Federal tem uma perspectiva para atender a todas as cotas possíveis e ainda com alguma ampliação de oferta para justamente chegar a essa população que mais demanda. A UnB está completando 60 anos e, recentemente, conseguiu abrir a oferta do curso superior noturno. Esse era outro ponto que, de alguma forma, trazia para dentro da oferta pública a presença de quem não necessariamente precisava trabalhar. A UnDF faz oferta pública diurna, mas já pretende abrir mais vagas para 2023 na oferta noturna. Temos tratativas para otimizar a oferta de turno noturno em unidades escolares da Secretaria de Educação que têm condições físicas e estruturas para ofertar cursos de formação superior, para chegarmos a Taguatinga, Ceilândia, Santa Maria e outras cidades. A UnDF pode fazer seus próprios processos seletivos e pretende usar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Acreditamos sim que o estudante da UnDF precisa e deve ser majoritariamente aqueles que advenham das classes menos abastadas da sociedade.
Fonte: Adriana Izel, da Agência Brasília , Edição: Chico Neto