Projeto nasceu em 2010 e vem ganhando força e apoio nos últimos anos. Hoje, reúne 11 voluntários que lutam pelo rio que deu nome à cidade
Um dos guardiões, Antonio Moura é criador da iniciativa RRP (Revitaliza, Recicla e Preserva) Moura
Nesta semana foi comemorado o Dia Mundial da Água. Mas há pouco a ser festejado. Pelo menos essa é a avaliação do coordenador do movimento SOS Ribeirão e mestre em planejamento e gestão do meio ambiente, Raimundo Pereira Barbosa, 66 anos. “A gente precisa de água boa para consumo, mas não cuidamos dos nossos recursos hídricos. Infelizmente, no Dia Mundial da Água, não há o que se comemorar”, diz. Quando Raimundo olha para o Ribeirão de Sobradinho, logo se lembra de 56 anos atrás. “O Ribeirão era a diversão da molecada, eu e três irmãos tomávamos banho pelo menos duas vezes por semana no rio. E mesmo depois de adultos, o Ribeirão sempre foi um ponto de encontro. Mas hoje, a água dele não pode ser usada sequer para plantio”, lamenta.
Das memórias de infância, Raimundo partiu para a ação. Ele dedicou o mestrado ao estudo ambiental da cidade e, no fim de 2010, começou o projeto de revitalização do Ribeirão. “Uma das recomendações da pesquisa que fiz de avaliação de riscos ambientais era revitalizar o rio. Ele vem sendo muito poluído nos últimos trinta anos. Deixou de ser um ponto de lazer e se tornou morto em vários trechos. Há locais do rio em que não há vida, por isso lutamos, ao menos, para que ele não desapareça e possa se recuperar”, conta. O Ribeirão de Sobradinho é um importante rio do Distrito Federal, que possui um percurso de 8km dentro da área urbana e 20km na área rural. Depois do trajeto de quase 30km, o Ribeirão deságua no Rio São Bartolomeu.
Raimundo tem uma rede de apoio para lutar pelo Ribeirão. “A gente trabalha em união para revitalizar o rio. Contamos com a comunidade, que realiza denúncias sobre descarte de lixo e esgoto. É um serviço totalmente voluntário, pois não conseguimos ajuda financeira do governo. É uma causa que tomamos para nós, porque queremos deixar para as futuras gerações água limpa e um rio vivo. A cidade de Sobradinho, por exemplo, tem esse nome devido ao Ribeirão. Isso é parte de nós”, pontua.
Os desafios enfrentados por essa equipe, contudo, são diversos. “Muitas nascentes desapareceram depois de condomínios que foram construídos na cidade. A alimentação de água do Ribeirão está diminuindo, o risco é que ele desapareça. A preocupação que a gente tem é que não há iniciativa do governo para lutar por essa causa.”
União
Sobradinho é lar de diversos movimentos em defesa da ecologia. Foi na região que nasceu o grupo Guardiões do Meio Ambiente que, inicialmente, de forma tímida, reuniu 5 voluntários, mas hoje conta com 11 guardiões sempre presentes nos movimentos. A união dos diversos projetos, como o de reciclagem de pneus realizado por Nelson Rodrigues (Nelsão Ambiental) ou o RRP (Revitaliza, Recicla e Preserva) Moura, contribuiu para o surgimento de uma equipe que luta pela natureza. Os guardiões contam com o apoio da comunidade que, inclusive, deu nome ao grupo. Nelson, 45 anos, por exemplo, já realizava projetos com reciclagem quando assistiu a uma reportagem sobre a revitalização do Ribeirão e se interessou em fazer parte desse outro movimento. “São vários trabalhos que a gente realiza. Buscamos doações como areia, materiais de roçagem e, muitas vezes, tiramos dinheiro do próprio bolso também, é uma luta diária, mas a gente não desiste”, assegura.
Nelson reconhece que a mudança é lenta, mas frisa que a iniciativa é importante para salvar o que restou do rio. O idealizador do projeto RRP Moura, Antonio Moura, 55, relata as transformações que o lugar já sofreu com os mais de 11 anos de movimento. “Onde fiz o RRP Moura era uma área imensa de descarte de lixo. Eu comecei a limpar e plantar nesse local, e outros moradores começaram a ajudar. Com o tempo, as árvores foram crescendo e surgindo sementes. A minha intenção era fazer um pequeno parque aqui próximo ao Ribeirão, justamente para tratar de educação ambiental. Porém o projeto que começou em 2009 cresceu e agora todos nós, guardiões, unimos forças pelo rio e ajudamos o projeto que cada um já realizava isoladamente”, explica.
Os onze guardiões se dividem em diversas funções de divulgação dos projetos, principalmente do SOS Ribeirão, e de arrecadação de materiais, além de, nos fins de semana, trabalharem duro para limpar, cuidar e plantar mais árvores na mata ciliar — fundamental para a saúde de qualquer nascente e percurso de água.
“Nossa intenção é fazer com que a comunidade veja o meio ambiente com outros olhos e comece a cobrar do poder público mais ações. A gente faz tudo aqui, temos as estufas e o tempo certo de plantação das mudas no período de chuvas. Inclusive, já houve ocasiões em que, devido à seca, fomos pessoalmente irrigar as mudas plantadas em alguns locais até que a chuva começasse e as árvores conseguissem sobreviver sozinhas”, lembra Moura.
Novas gerações
O projeto não se restringe a adultos. Alunos do ensino fundamental 1 da Escola Classe 5 de Sobradinho 1 colocam a mão na massa para ajudar a revitalizar o Ribeirão. A ação na escola começou em 2016, por iniciativa do professor de matemática Heron de Sena Filho, 58. “Eu moro na cidade desde 1970, o rio faz parte da minha história. E quando comecei a fazer o mestrado em educação ambiental na UnB (Universidade de Brasília), quis fazer uma pesquisa vinculada a uma escola que não realizasse esse tipo de serviço. Então, eu conversei com os professores, direção e comunidade para explicar do que se tratava a pesquisa”, detalha.
Depois da aprovação da escola, a educação ambiental foi inserida no currículo de ensino. “Nós fazemos um projeto de conscientização desses alunos, pegamos essa idade deles, ainda novos, para entenderem a importância da ecologia e do meio ambiente. Porque todas essas ações de degradação causam, além da morte do rio, a perda de biodiversidade, danos à vegetação nativa e erosões”, salienta. O professor defende que o ser humano precisa se responsabilizar pelos danos à natureza: “A humanidade degradou e destruiu, então a humanidade tem que recuperar. É uma responsabilidade de todos”.
O projeto desenvolvido na escola trabalha a reciclagem, a consciência e a interdisciplinaridade dos alunos. “Primeiro, reciclamos caixas de leite para a plantação das mudas. Pegamos todo o material orgânico que era jogado fora nas escolas, como cascas de legumes, frutas, verduras, restos de comida e armazenamos em um tambor. Depois, levamos esses resíduos para um composteira. Após seis meses já temos adubo orgânico pronto para uso. Isso é importante justamente para as crianças perceberam que não existe apenas o adubo químico”, conta. “E também a água que utilizamos para regar as mudas é reaproveitada. Por meio de um sistema de coleta no bebedouro das escolas, direcionamos toda a água que a criança não consegue beber, e acaba derramando, para uma caixa de água. De lá, usamos essa água coletada para regar as árvores”, acrescenta.
Depois do processo de reciclagem, adubo orgânico e reaproveitamento da água, as crianças ajudam a plantar as mudas nas margens do Ribeirão. “Elas entendem que esse é o processo para conseguir fazer ressurgir água no rio. Os estudantes plantam as sementes de diversas árvores e, juntos, reflorestamos o curso de água. Somente a Classe 5, nesse serviço que começou em 2016, conseguiu, em média, plantar mil mudas por ano”, celebra.
O benefício, no entanto, não fica restrito ao meio ambiente. A educação dos alunos da escola também é favorecida. “Com o trabalho de educação ambiental, fazemos uma interdisciplinaridade com todas as matérias: geografia, história, língua portuguesa e matemática, por exemplo. A escola incorporou esses elementos pedagógicos para o processo de compreensão e avaliação dos alunos, e isso enriqueceu o ensino e transformou a Classe 5. Hoje, outras escolas querem implementar o mesmo projeto de educação ambiental, que só foi atrasado devido à pandemia. Sabemos que educar os novos é fundamental para mudar o pensamento atual da sociedade”, arremata Heron.
Conheça
Saiba quem são os guardiões que lutam pelo Ribeirão de Sobradinho:
• Ilton Correia (Jamaika Ambiental)
• Nelson Rodrigues (Nelsão Ambiental)
• Antonio Moura
• Giovanna Lira
• Cleonice Feitosa
• Ricardo Gonçalves
• Rosângela Marques
• Thiago Alencar
• Tarcísio Pádua
• Heron de Sena Filho
• Raimundo Pereira
Como ajudar
• É possível entrar em contato com Nelson Rodrigues pelo (61) 9.9329-6396 ou com Antonio Moura pelo (61) 9.9803-8751
• As doações podem ser feitas em materiais como picaretas, pás, rastelos e serviço voluntário, por exemplo, e também em valores doados pela Caixa Econômica:
Agência: 0972
Conta Poupança: 059094-8
Titular: Antonio Moura e Vasconcelos
Fonte: Edis Henrique Peres/Correio Braziliense, Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press