Moradores de cidades brasileiras estão passando por uma mudança de comportamento que tem reflexo na qualidade do meio ambiente. Mas, como pode o canudo plástico, um item utilizado brevemente antes de ser descartado, causar tanto estrago? Primeiro, ele consegue chegar facilmente aos oceanos e bueiros devido sua leveza. Ao chegar lá, o canudo não se decompõe. E, em segundo lugar, ele não pode ser reciclado. “Infelizmente, a maioria dos canudos plásticos são leves demais para os separadores manuais de reciclagem, indo parar em aterros sanitários, cursos d’água e, por fim, nos oceanos”, explica a coordenadora da Associação da Cooperativa Recicle a Vida, Mônica Mendes.
Segundo Mônica, das 400 toneladas de descartáveis retiradas a cada dia das ruas do DF, apenas 15% são reciclados. Práticos e baratos, os descartáveis conseguiram um espaço na rotina que muitas vezes passa despercebido. Seja no cafezinho rápido durante o trabalho ou o canudo do refrigerante do almoço, os materiais estão sempre presentes. O tempo de uso é, em média, 60 segundos, mas o prazo que eles ficam no planeta até se decompor supera 400 anos. Mônica destaca ainda que, incluindo as garrafas pets, que são os itens plásticos mais consumidos, por mês, a cooperativa recicla em torno de 200 toneladas de plástico. “Ou seja, do montante de plástico que reciclamos, quase nada é proveniente de canudos e descartáveis. Por isso, apoio qualquer iniciativa que vise banir ou substituir esse tipo de item do dia a dia”.
Mendes disse acreditar que uma das saídas para o problema de acúmulo do plástico está na forma como as indústrias trabalham. “Acredito que as empresas deveriam planejar o descarte de suas embalagens e produtos antes de eles serem produzidos. Eles fabricam, mas não levam em conta qual será o destino final de sua produção. É o que chamamos de economia circular, você tem que pensar no caminho que o produto vai fazer desde a prateleira até a hora do descarte. A indústria precisa pensar em alternativas para que seu produto não vá para o lixo, como mais parcerias com cooperativas de reciclagem”, destacou.
O maior problema é a dificuldade de dar um destino correto aos materiais. No DF, só 15% de todo o plástico recolhido pelo SLU é reciclado, devido ao baixo preço de mercado. A coordenadora da cooperativa explica que enquanto a tonelada de alumínio custa R$ 2,5 mil e o de garrafas Pets, R$ 1,2 mil, o mesmo peso de descartáveis sai por cerca de R$ 350.
A coleta seletiva atende em torno de 54% do DF, segundo o SLU. São captadas cerca de 200 toneladas de lixo por dia, das quais a metade é aproveitada para reciclagem. “A quantidade de plástico corresponde a mais ou menos 30 toneladas. O que tem mais valor são as garrafas pet, que praticamente não ficam nas cooperativas”, explica o diretor adjunto do SLU, Paulo Celso dos Reis. Para incentivar a prática, o órgão oferece subsídio aos catadores a cada parte de material vendida.
Segundo o órgão, 85% do plástico do DF vai para os aterros sanitários. “São produtos não biodegradáveis, ou seja, vão ficar séculos lá, decompondo. Se ele for colorido, a água da chuva lava esse resíduo e a tinta vai para o meio ambiente. Temos um trabalho para tratar o solo e evitar isso, mas, com tanto resíduo, é um processo que vem ficando cada vez mais caro”, adverte Reis. O SLU gasta, aproximadamente, R$ 2 milhões por mês para tratar o Aterro de Samambaia. “Essa quantia vem do enterramento do resíduo, cobertura com terra, tratamento do chorume, coleta e queima de gás”, explica o diretor.
Hoje, o plástico representa de 60% a 80% de todo o lixo oceânico, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). O problema pode parecer distante do Planalto Central, mas, desde 2011, programas de limpeza do Lago Paranoá realizados pelo governo e pela iniciativa privada retiraram mais de 38 toneladas de lixo do principal corpo d’água do DF, e cerca da metade são plásticos. Atualmente, um copo descartável custa, em média, R$ 0,02. Além dos problemas de decomposição, grande parte dos materiais são compostos de polipropileno e poliestireno, feitos a partir do refinamento do petróleo, recurso finito, que libera carbono durante a execução.
// Legislação
A guerra contra os descartáveis chegou ao Legislativo. Um dos destaques ocorreu em junho deste ano, quando a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro aprovou projeto de lei que obriga os estabelecimentos comerciais a substituírem os canudos plásticos por biodegradáveis. A nível nacional, um PLS da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) pretende banir copos, pratos, bandejas e talheres descartáveis do Brasil em até 10 anos. O texto está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Na Câmara Legislativa do DF o debate segue em passo semelhante. O deputado distrital Cristiano Araújo (PSD) tem dois projetos sobre o assunto. Em junho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) analisou e aprovou o PL 976/2016, mais rígido que o projeto aprovado no Rio de Janeiro, que prevê a substituição de descartáveis de plástico em copos e canudos por produtos biodegradáveis. Agora, o projeto aguarda ser incluído na pauta do dia para ser votado. Caso aprovada a norma, os estabelecimentos que descumprirem pagarão multa de R$ 1 mil a R$ 5 mil. O outro projeto, o PL 274/2015, que também aguarda ser incluído à ordem do dia, pretende que todas as embalagens plásticas de produtos comercializados no DF contenham informações sobre o tempo de decomposição.
// Lei de Resíduos Sólidos
A Lei Federal nº 12.305/2010, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos, institui instrumentos para o enfrentamento dos principais problemas sociais, ambientais e econômicos relacionados ao manejo inadequado dos resíduos sólidos. No Artigo 9 é determinada a ordem de prioridade na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. A primeira é não gerar produtos que se tornem lixo. Se não for possível, reduzir a produção. Depois disso, é indicada a reutilização de um produto o máximo possível, depois, a reciclagem, o tratamento dos resíduos sólidos e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. A lei institui também a responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos de uma linha produtiva que vai do fabricante ao consumidor. É uma logística que segue exemplo da instaurada em países europeus, que coloca todos como responsáveis pelo lixo que produzem.
// Criatividade
O Bob’s começou a usar, desde 20 de agosto, o Tubetes Shake, canudo comestível feito de biscoito e chocolate pela Barion para os seus milk-shakes. O produto chega, a princípio, nas unidades da rede no Rio de Janeiro, onde foi proibida a fabricação e distribuição de canudos de plásticos. A empresa anuncia que a substituição dos canudos para milk-shake no restante do País acontecerá em breve. Hoje já são utilizados em todas as lojas Bob’s do País canudos recicláveis, biodegradáveis, certificados e recomendados pela ONG Funverde, que atua no combate à poluição plástica.
“O Bob’s tem no seu DNA a inovação. Fomos a 1ª rede a lançar o milk-shake, o sundae e outros produtos deliciosos da categoria de gelados no Brasil. Mais uma vez estamos trazendo uma solução inovadora e saborosa para a questão dos canudos plásticos na nossa linha de milk-shakes.”, explicou Marcello Farrel, diretor geral da marca.
// Consciência
No foodtruck Se Essa Rua Fosse Minha, o gasto com biodegradáveis gera um custo 40% maior em relação aos descartáveis de plástico. Mas investir na sustentabilidade é uma escolha tomada desde a concepção do veículo, que saiu às ruas pela primeira vez em outubro do ano passado. “Pensamos em um projeto que fosse o menos poluente possível. Isso vai desde trabalhar com placas de energia solar até copos de papelão”, ressalta Cristine Gentil, proprietária do restaurante móvel.
O formato de negócio é novo no DF, e Gentil conta que passa por diversas adaptações. Os produtos são comprados de fábricas de São Paulo. “São mudanças que vão ocorrendo aos poucos. Ainda não tínhamos um produto bom e de preço acessível para substituir o canudo de plástico, mas conseguimos fechar recentemente um acordo. Agora, trabalharemos para substituir os copinhos de molho. É um trabalho no qual adaptamos diariamente, e percebemos que o público gosta de participar dessa mudança”, assegura.
O engenheiro florestal Kallel Kopp é consultor de sustentabilidade para empresários que buscam adicionar produtos biodegradáveis ou ecológicos ao perfil. “Vivenciamos uma tendência mundial, que é uma mudança de consciência. Não é só a reciclagem que está em alta, e sim, uma menor geração de resíduos”, ressalta. A solução para os canudos, o principal vilão do momento, é a substituição do material de plástico por inox ou vidro. “A lógica da sustentabilidade é que, o quanto menos descartar, melhor. Apesar de ainda pequena, fico feliz pelo aumento da busca de informações desse tema por parte do brasiliense”, diz Kallel.
Os desafios, no entanto, são muitos já que alguns materiais biodegradáveis chegam a ser três vezes mais caros do que o mesmo produto em versão descartável. Um dos pioneiros no DF é o Na Praia. Este ano, após três meses de evento, menos de 5% dos resíduos produzidos foram levados para o aterro sanitário. O principal responsável pela marca foi um trabalho que reduziu em quase 100% o uso de descartáveis. Internamente, foram adotados “copos ecológicos”, entregues no formato de caução. A edição deste ano trouxe outra novidade: canudos biodegradáveis. Kallel que fez a consultoria ambiental do evento explica a relevância disso. “Antes, o canudo era a única coisa que ia para a mão do cliente que não era consciente. Mas nesses três meses de evento foram oferecidos esses produtos que se decompõe em 30 dias”, revela.
Segundo Ana Victoria Neddermeyer, sócia-fundadora Backerei, café instalado no Brasília Shopping e na Galeria Karina, na 110 Sul, as ações sustentáveis chegam aos canudos. Há 2 meses a empresa começou a usar canudos de inox. O produto é retornável, ou seja, deixa de gerar resíduo. “Faz parte de uma pegada sustentável que adotamos. Ao abrirmos a loja, tivemos muita preocupação com as embalagens devido à grande quantidade de lixo que geraria. Aí, procuramos opções sustentáveis. Hoje, temos uma consciência sustentável como base da empresa”, afirma. A empresa acredita no fundamentalismo em relação a tudo, tanto quanto ai uso de alimentos não industrializados, frescos e orgãnicos, como á sustentabilidade. “Nosso projeto é tornar 100% das nossas embalagens biodegradávies. Hoje os mais idosos ainda tem certa resistência às novidades, mas em breve isso fará parte da rotina e acredito que a adaptação não será difícil”, conclui.
Já o Pinella Bar, na 408 Norte, quer se tornar o primeiro bar lixo zero do DF. Desde junho de 2017, o estabelecimento adotou uma postura que, para a proprietária, Flávia Attuch, significa ter responsabilidade sobre tudo o que é produzido e emitido para a natureza. “A primeira mudança foi quando paramos de trabalhar com long necks, devido à dificuldade na reciclagem de vidros para as empresas do DF. Após isso, entramos com copos em caução, substituímos os papéis toalha do banheiro por secadores de mão, eliminamos os canudos e passamos a usar colheres de madeira”, explica.
(*) Por Daniel Alcântara