terça-feira, outubro 8, 2024
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Artistas negros brasilienses contam como cultura se torna meio de resistência

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A reportagem entrevistou personalidades negras para conhecer a trajetória de luta e afirmação de cada um na capital federal

Gog conta que o rap surgiu de forma natural e considera que o gênero tem poder de amplificar a fala -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Gog conta que o rap surgiu de forma natural e considera que o gênero tem poder de amplificar a fala – (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Resistência, luta, dignidade e conscientização. Essas batalhas são constantes para quem nasceu preto no Brasil. O feriado da Consciência Negra, celebrado no último dia 20, trouxe debates importantes, mas não suficientes. Durante os quase 400 anos da história do Brasil em que a população negra estava sujeita à escravidão, os quilombos eram comunidades e centros de força para as pessoas que conseguiam escapar dos escravocratas. O mais conhecido é o Quilombo dos Palmares, que ficava localizado entre os estados de Alagoas e Pernambuco e era liderado por um herói da resistência negra: Zumbi dos Palmares.

Em 20 de novembro de 1695, Zumbi foi assassinado em uma emboscada. O líder quilombola teve a cabeça decepada e exposta em praça pública, em Recife, com o objetivo de amedrontar quem desejava escapar do período da escravidão, para tentar ser livre. Por isso, a data é tão marcante para o país. Desta forma, a reportagem do Correio ouviu personalidades que fortalecem e ocupam espaços de relevância negra na cena cultural.

Nascido no Hospital Regional de Sobradinho, Genival Oliveira Gonçalves, 56 anos, cresceu em terras candangas. Filho de professora e motorista de ônibus, ele é conhecido nacionalmente como Gog, o poeta. Cantor de rap — sigla para representar a junção entre ritmo e poesia — ele estourou nos anos 1990, época conhecida como a golden era do hip-hop, e é considerado pioneiro do estilo musical em Brasília. O artista lançou pelo menos 11 discos entre 1992 e 2017.

“O rap surgiu de forma natural, porque eu já fazia parte. Ele representa diversas possibilidades, porque é sonoro. O gênero tem o poder de amplificar a fala. Você grava aqui, mas a pessoa ouve do outro lado da cidade, do outro lado do país. Tem uma frase que diz que ‘periferia é periferia em todo lugar’. Os problemas que estavam aqui, também estavam na Rocinha, no Capão Redondo, em Ceilândia, em Alagados e em Brasília Teimosa. Tem gente de lá falando o que estamos passando aqui, e a gente aqui falando sobre o que eles estão passando lá. E assim foi se formando uma rede”, explicou Gog.

Para ele, sem o hip-hop, a juventude seria mais desfocada, pois além de impactar culturalmente, a música é um instrumento educacional. “Meu objetivo é desconstruir e modificar a estrutura social do povo preto. Desconstruir não é derrubar, e, sim, construir algo novo. Quando você não tem o conhecimento histórico, você não sabe porque você tá aqui. Em 1993, criei um selo independente, a gravadora Só Balanço, para gravar minhas músicas, porque as gravadoras que existiam queriam comandar o processo criativo. Queriam mudar meu texto, diminuir as músicas e eu não aceitava isso”, disse o rapper. A primeira coletânea de hip-hop do DF foi produzida pela Só  Balanço.

Atualmente, Gog está ativo no projeto Periferia Multiplica, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade, principalmente mulheres negras, mães solo, solteiras ou que estão passando por dificuldade financeira e alimentícia. Para ele, o que interessa é a comunidade. “O projeto alcança, hoje, mulheres de São Paulo, Brasília e Goiás”, explicou.

Fernanda Jacob ” O Embaraça faz um trabalho forte em cima das questões raciais em Brasília” Thaís Mallon /Divulgação

Luz, câmera e ação

O leque de manifestações culturais é enorme quando se olha o legado. A atriz Fernanda Jacob é um exemplo disso. Nascida em Sobradinho, o interesse pelas artes a levou para fazer a maior interpretação de sua carreira: Dona Ivone Lara (rainha do samba brasileiro), em 2018. Ainda com 10 anos de idade, a menina participava de competições na escola, fazia o roteiro, dirigia e interpretava sozinha. Fernanda aprendeu a tocar violão olhando revistas de cifras e teve influência da família, que é muito musical e sempre conviveu com o samba.

Em 2007, ela decidiu fazer artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB). No período da graduação, Fernanda e quatro amigas decidiram criar um grupo de teatro negro, o Embaraça. A motivação surgiu de uma palavra: negação. “O Embaraça tem quatro espetáculos autorais: Pentes, Cala a matraca, Ramal 003 e Afeto. O grupo faz um trabalho forte em cima das questões raciais em Brasília, não queremos entrar nos lugares ou nas matérias com esse discurso marginalizado mais. Que as pessoas pretas não têm oportunidade, isso a gente já sabe. Queremos trazer um lugar que fale das nossas narrativas e do que estamos produzindo. O grupo está aí para gerar empregos, revelar olhares múltiplos e quebrar paradigmas. Queremos fazer denúncias de racismo sim, mas queremos falar sobre outras coisas. Um artista preto não fala só sobre racismo”, explicou a atriz.

Na música, Fernanda Jacob desenvolveu o samba na rua, realizado na Vila Planalto com ajuda de moradores. “O samba vem desde a infância, quando minhas tias e meus primos arrumavam a casa ouvindo Jorge Aragão e Martinho da Vila. Também tenho orgulho de ter nascido na região de Sobradinho, pois era vizinha do boi do Seu Teodoro”. Desta forma, ela seguiu ganhando espaço e pôde voar. Em 2018, o diretor Elísio Lopes Jr e o produtor Gil Santana, a convidaram para representar Dona Ivone Lara, na peça Um sorriso Negro. “Assim que vou movimentando a cidade, por meio do teatro, da música e das duas coisas juntas”, falou a artista.

Sobe o som

Mulher, preta, periférica, moradora de Ceilândia, DJ, Mc e dançarina de charme, Gabrielle Kashuu, 24, embala as noites do DF com os sets musicais que produz. Ela foi a primeira DJ mulher de batalha de Mcs no DF. Além de rimar na batalha das gurias, ela começou a fazer colaborações e acompanhar outros artistas com a aparelhagem de som.

Kashuu chegou a criar a batalha das bichas, que acontecia na UnB. Ela aprendeu a manejar os equipamentos sozinha e foi trilhando seu caminho dentro da música na capital federal. Tocou em parcerias com a Preta Rara, Prethais, Isis Zavlyn Lafond, Medx Musiek, Thaliz, Hate Aleatório e outros. Fora do país, participou do festival Encontro Elas, na Argentina. Estudante de sociologia, se dedica à cena cultural do DF diariamente, inclusive lecionando arte e cultura.

“Aa quebrada é muito rica em cultura, porque é assim que sobrevivemos nesse quadrado segregante. Apesar dos combates, o DF tem uma potência rica de esperança, força e oportunidade. A gente pavimenta o caminho para quem vem depois, porque a cultura não é sobre mim, mas sobre uma geração, sobre uma corrente de pensamento, de resistência, de vida ou morte. A cultura oportuniza um novo caminho. Se a gente não agir em rede, não damos conta”, declarou Gabrielle.

Por meio da música, procura extrapolar barreiras e deixar suas referências claras no momento em que o som ecoa nas pistas. “Vamos usar a cultura como meio de profissionalização, informação e transformação. O espaço é dos pretos, porque somos a maioria nesse continente. Precisamos subverter esse conceito e evidenciar que somos a maioria e que podemos ser o todo. A partir do momento que as propostas e os espaços são respeitados, conseguimos alcançar mais mentes e corações para fazer uma revolução na própria cena. Isso é uma oportunidade desafiadora para as minas pretas, porque a cena é racista, machista e homofóbica”, ressaltou.

Por Rafaela Martins/CB – Correio Braziliense

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