Grilagem destrói Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

O parque nacional é tombado pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade
Foto: Divulgação

Os grileiros de terras públicas estão destruindo o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e reduzindo a área da unidade de conservação para menos de 10%, apesar do decreto do governo Michel Temer que ampliou a área de 65 mil hectares para 240 mil.

A devastação do bioma Cerrado pelo agronegócio do milho e da soja transgênicos avança aceleradamente. Da BR-118, que liga Brasília a Alto Paraíso (GO), se vê o avanço das plantações, que se estendem a perder de vista sobre as terras da unidade de conservação.

E a situação pode piorar. Na contramão das políticas ambientais mundiais, o prefeito de Alto Paraíso, Martinho Mendes da Silva (PR), convocou uma audiência pública para o dia 28 de agosto para apresentação do Projeto de Revisão do Plano Diretor Municipal.

Carta-convite – A advogada Flávia Cantal diz que a prefeitura fez uma licitação rápida e contratou, por meio de carta-convite, a empresa Arismar Silva Guimarães – ME para elaborar o novo plano diretor para Alto Paraíso a fim de mais do que duplicar o perímetro urbano da cidade.

“A firma é individual, de apenas um sócio, sem capacidade nem expertise, a meu ver, para cumprir uma tarefa tão grande como essa, que envolve vários estudos de áreas de conhecimentos diversos”, afirma.

Proprietária de imóvel em Alto Paraíso, Flávia diz que ela e outros moradores ingressaram, no Ministério Público do Estado de Goiás, com um pedido de intervenção no processo de revisão do atual plano diretor para suspendê-lo imediatamente.

“Não podemos impedir o crescimento de uma cidade, mas existem leis que devem ser cumpridas. E essa expansão urbana deve ser realizada com base na legislação, como, por exemplo, o Código Florestal”, afirma.

Irregularidades – Na petição, a advogada pede ao promotor de Justiça de Alto Paraíso para suspender o processo por não observância do Código Florestal, ausência de estudos ambientais e hidrológicos que autorizem a expansão do perímetro urbano de Alto Paraíso.

No documento, ela observa a pressa da prefeitura em pôr em andamento esse processo de modificação do atual Plano Diretor, aponta irregularidades detectadas pelo Grupo de Trabalho do Plano Diretor do COMDEMA e identifica algumas irregularidades verificadas no processo licitatório.

“É absolutamente imprescindível que tal revisão seja precedida de estudos ambientais, sobretudo estudos hídricos, para que a expansão proposta não acarrete um gravíssimo desabastecimento em uma cidade que já sofre com cortes sistemáticos de água e energia”, aponta a petição.

A advogada diz que a prefeitura também não observou as diretrizes da lei nacional de confecção de plano diretor que manda fazer avaliação de capacidade de abastecimento e densidade.

“O prefeito não pode simplesmente aumentar o perímetro urbano sem que se avalie previamente a capacidade de captação de água. A gente sabe que têm sido feitas reuniões e algumas audiências públicas, e que esses estudos não estão sendo feitos nem pela empresa e nem por uma equipe de cientistas, como ocorrreu na época da elaboração do Plano Diretor em vigor.

Loteamentos – Moradores que estiveram nas reuniões e nas audiências públicas dizem que o projeto é grande e que haverá um aumento significativo do tamanho e que vai mais do que dobrar o perímetro urbano da cidade. No projeto do atual prefeito e alguns vereadores, haverá possibilidade de novos loteamentos.

“A questão é que há uma jurisprudência pacífica no STJ que manda que o Código Florestal seja observado na aprovação de um plano diretor. Ou seja, que sejam identificadas as áreas que não podem ser edificadas e outras questões. Essa determinação abrange cidades que têm um determinado número de habitantes”, afirma Flávia.

Ela diz ainda que não se tem certeza ainda se por trás desse novo plano diretor há o objetivo de regularizar loteamentos irregulares, interesses imobiliários e os já visíveis avanços do agronegócio sobre a APA do Pouso Alto, que é uma zona de amortecimento que protege o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, porque o plano diretor ainda não foi concluído.

Moradores que não quiseram se identificar garantem que quem tem um lote rural nas proximidades da cidade no valor de R$ 5 mil, com a expansão da cidade irá valer dez vezes mais. E asseguram que é bem possível que existam proprietários e incorporadoras interessadas, pressionando a prefeitura a fazer o novo plano diretor sem as exigências das leis.

Flávia observa que o adensamento populacional nessa região irá, inevitavelmente, destruir o Parque Nacional, única unidade de conservação do Cerrado. Ela diz que já está na mesa do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um projeto para acabar com a APA do Pouso Alto.

Ameaça – Pequenos proprietários de terras e moradores locais denunciam que o prefeito só convocou para a audiência do dia 28 os grileiros, que se apresentam como representantes do agronegócio. A população denuncia o esquema e diz que a revisão do plano diretor visa legalizar a invasão.

Um dos proprietários de terras, que não quis se identificar temendo represálias, conta que não é só a unidade de conservação que está sob ameaça. “Nós, pequenos proprietários de terras ao redor do parque, temos sido as principais vítimas da grilagem”.

O agronegócio repete, na Chapada dos Veadeiros, a mesma ação violenta e devastadora usada no oeste da Bahia nos anos 1970 a 1990, quando expulsou e assassinou centenas de pequenos proprietários, arrendatários, ribeirinhos, indígenas e quilombolas para implantar imensas lavouras de extensão.

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é a principal unidade de conservação do Bioma Cerrado e foi eleita, em 2001, patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

 

 

(*) Publicado originalmente por Orlando Pontes/ bsbcapital – 16/8/2019 – 19h34min