Jovem alega que pai a excluiu de rede social e mudou número de telefone para não manter contato. Homem afirma que falta de relação afetiva ocorreu por ‘circunstâncias da vida’.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou um homem de 39 anos a indenizar a filha, de 21, por abandono afetivo. Segundo a decisão judicial, o pai deve pagar R$ 50 mil à jovem, por ter se negado a manter relação afetiva com ela ao longo dos anos.
A decisão, em segunda instância, foi mantida pela 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF, por três votos a dois. Ainda cabem recursos nos tribunais superiores.
Segundo o entendimento dos desembargadores, “a dor gerada pela rejeição, ainda mais a rejeição de um pai, é uma experiência comum da vida, que dispensa consequências visíveis”.
De acordo com o processo, a jovem foi fruto de uma união estável entre o pai, quando tinha 18 anos, e a mãe da garota. Meses após o nascimento da criança, os dois decidiram se separar.
O homem se mudou para São Paulo e, desde então, a filha afirma que não recebeu atenção nem afeto dele.
A única participação que o pai teve na vida da filha foi por meio do pagamento de pensão alimentícia, depois que a mãe acionou a Justiça. A última vez que os dois se encontraram foi em 2001, quando a menina tinha dois anos de idade.
‘Circunstâncias da vida’
Em 2015, o homem chegou a propor uma ação judicial afirmando não ser o pai da jovem. O pedido foi negado, porém, depois que um exame de DNA comprovou o parentesco entre os dois.
Segundo a filha, o pai trocou o número de telefone e chegou a excluí-la de uma rede social. Por isso, em 2016, a jovem resolveu acionar a Justiça em busca de compensação pelo abandono afetivo dele.
Em defesa, o homem disse que o motivo de não se relacionar com a filha foram as “circunstâncias da vida”.
Segundo o pai, a distância geográfica e dificuldades financeiras complicaram a aproximação. Naquela época ele afirmou que estaria disposto a manter contato com a jovem.
Decisões da Justiça
Em primeira instância, o juiz Samer Agi, da Primeira Vara Cível de Sobradinho, deu razão à filha. Na decisão, o magistrado afirma que, para analisar o caso, usou a empatia.
“Exerçamos a empatia. Imaginemo-nos Jéssika. Aos cinco anos, eu, Jéssika, não vi meu pai. Aos seis, eu não ouvi a voz do meu pai”, afirma o juiz na primeira sentença.
“Presente, ‘feliz aniversário’, abraço antes de dormir? Todas essas coisas são não-coisas na minha relação paterna. Elas nunca existiram.”
O magistrado detalha sentimentos e ausências na vida da jovem. “Eu não sei o que é dia dos pais. Aliás, eu sei. O que eu não sei é o que é dia dos pais com o meu pai”, acrescenta à decisão. De acordo com Samer Agi, a lei “manda o pai cuidar da filha”.
“Não digo que a parte requerida maltratou a filha. Não maltratou. Porque quem maltrata trata de alguma forma, ainda que mal. A parte ré não tratou a filha e não tratou da filha.”
Segundo o entendimento dos desembargadores, que em segunda instância confirmaram a condenação do pai por abandono afetivo, “a dor gerada pela rejeição, ainda mais a rejeição de um pai, é uma experiência comum da vida, que dispensa consequências visíveis. […] O dano moral pode ser demandado com palavras e fixado in re ipsa, dispensando imagens. Isso porque não se fotografa a dor da alma”.