quarta-feira, novembro 13, 2024
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Memória e esperança: cineastas debatem o futuro do Polo de Cinema de Sobradinho

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Local foi criado em 1993, mas até hoje não deslanchou. Classe artística reclama da falta de apoio para a produção audiovisual no DF

A noção de abandono das instalações físicas do Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo (no km 4 da DF-330, Sobradinho), com camarins deteriorados, cantina inoperante, necessidade de conserto do isolamento acústico e pintura, fora o risco no circuito de eletricidade, ficou no passado, uma vez que, agora, a infraestrutura do local está conservada.

Mas numa linha que atravessa quase o consenso de classe, o cineasta e diretor de fotografia Dirceu Lustosa, presente em mais de 100 filmes, enxerga o abandono do fomento às atividades de cinema como algo ainda mais grave, em relação à situação caótica que por anos o polo apresentou. “O polo, institucionalmente, nem sei se ele existe, se ele ainda tem alguma existência burocrática. Depois que o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) tomou a frente em relação ao mecanismo de fomento de cinema, modificou a dinâmica do polo. Ele ficou meio capenga enquanto proposta, sem segurança para publicação de editais”, avalia o cineasta.

Estruturado em 1993, o Polo de Cinema impulsionou mais de 400 produções. “O sonho inicial da gente, e ouvimos isso em palestras, foi de que ia atrair muita gente; vieram cineastas de peso, como o Nelson Pereira dos Santos, para se fazer perceber a ocupação do espaço do Polo, naquele momento de retomada do cinema nacional. Muita gente mergulhou na coisa do cinema, aprender, estudar e participar. O Polo sofreu claramente com alternâncias de governo”, relembra Lustosa.

Do uso do polo, na realização do primeiro curta feito, o cineasta lembra de, há 30 anos, haver um galpão, com teto coberto e goteiras. Àquela época, o polo sofria um começo de abandono. “Não adianta o polo ter o endereço físico. Sempre entendi que ele era mais do que ter um prédio, um galpão e estúdio. Muitos projetos nem têm perfil para necessidade de cenário em estúdio. Hoje, filma-se muito em locação. Precisa de dinheiro para o fomento de projetos”, opina Dirceu.

O produtor cultural Nilson Rodrigues destaca que “Brasília nunca teve um projeto efetivo e viável para o seu Polo de Cinema. Não há política nenhuma para o desenvolvimento do setor”, diz Rodrigues, que, há uma década, fez o último uso efetivo no local com o longa O outro lado do paraíso.

Nessa visão do setor desamparado, o produtor enfatiza que não se trata de deslocar o ambiente do polo. “Trata-se de ter um projeto de desenvolvimento para essa importante área da economia. Isso, entretanto, implica uma concepção sobre o que é a indústria audiovisual e seu impacto econômico na cidade”, diz Nilson Rodrigues.

“O Polo de Cinema é uma promessa que teve um papel forte, nos anos 1990 e início dos anos 2000. Foi algo anterior ao estabelecimento da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e à criação do FAC, depois, o polo ficou um pouco sem foco. No estúdio de Sobradinho, hoje em dia, realmente ninguém mais nem pensa. Mas o polo não deve ser descartado. Temos que evoluir, já que Brasília é uma potência audiovisual que, plural, acolhe expressões de todo o Brasil, sem preconceito e supremacismo”, comenta o diretor de cinema Renato Barbieri.

O processo de redinamizar o subutilizado Polo de Cinema há poucos anos viu luz ao fim do túnel: houve um movimento para realocar o polo em área próxima à do CCBB. “Criaria-se uma cidade cinematográfica, algo ambicioso. Notava-se a ideia de gestão do cinema candango, com mecanismos para empresários investirem no cinema de Brasília. Perto do CCBB, produtoras teriam sede, haveria representação de canais de televisão, de distribuidoras, aproveitando da centralidade da capital (como hub aéreo) para articulações”, diz Barbieri.

“Com novos talentos surgindo nas universidades, o cinema traz um mercado pujante com novas produtoras nascendo. Temos que pensar o presente e o futuro, com a ótica do legado do passado. Pensar a curto, médio e longo prazo, para as futuras gerações”, enfatiza o cineasta de As vidas de Maria e Pureza, além do documentário Tesouro Natterer.

Segundo Marcus Ligocki, diretor de cinema, o polo deve ter como objetivo ser um um ponto para troca de experiências para produção de filmes com potencial para estarem nas principais janelas de exibição, o que é complicado de ser alcançado sem a presença de pessoas que entendam do processo cinematográfico.

Acertos e desencontros

Há praticamente 30 anos enredado na história criativa dos produtos artísticos da companhia Os Melhores do Mundo, o ator, dramaturgo e diretor Adriano Siri lembra do primeiro e único curta autoral do grupo, “muito marcante”, com A espera da morte, assinado pelo falecido André Luís da Cunha, e feito no polo. “Foi muito importante para nós: a equipe era muito qualificada. O polo foi muito legal. Usamos naquela situação e tivemos o amparo de que precisamos”, conta da experiência de 2007. A cenografia do interior de um submarino foi toda constituída por lá.

Nas memórias do lugar físico “muito especial” para a elaboração do filme, o submarino de mentirinha criado à base de sucata da CEB e da Caesb — com peças de luminárias e canos — tem destaque. Já no presente, Siri vê “desvontade política e falta de perspectivas” para o espaço que resolveu muito desafios audiovisuais do grupo Melhores do Mundo. “O polo é fundamental — deve ter demandas. Nem tudo o que é bom é comercialmente vivo, em cultura. É preciso fazer, e provocar a realização de arte para que se concretize enquanto cultura”, opina Adriano Siri.

Foi enquanto fazia Faculdade Dulcina de Moraes que, animada, a diretora Núbia Santana provou da situação instável da realização em cinema. “Agora, não estive mais por lá. Esteve abandonado, há anos, mas em contrapartida me deu condições de trabalho. Uma reforma dos estúdios não seria algo tão dispendioso. De lá é preciso sempre se cuidar pelo histórico do que ele representa”, pontua a diretora.

Integrante da Academia Brasileira de Cinema, Núbia, à época da realização de Degraus (2005), contou com Françoise Forton no elenco: a veterana depositou fé no polo, imersa num “trabalho de faculdade”. Núbia conta que, com o filme, chegou à Mostra Internacional de São Paulo. Com patrocínio direto de R$ 200 mil, houve o desafio — do piso ao teto, nas instalações. Algo na memória, entretanto, amarga: “Lidamos com dificuldades por ter investido muito no filme. Quando cheguei, tive que pagar trabalhadores para capinar. Havia muitas goteiras no polo. O teto caía. De teimosia, tinha que ser lá. O cenário foi uma grande luta”, conclui.

O cinestas Erik de Castro usou o polo para o longa Federal (2006). “Foi maneiro filmar lá. A estrutura era boa, com salas de produção. Filmamos tanto no estúdio, uma interna, quanto uma externa. Construímos um pequeno cenário ao ar livre. Memória positiva, boa. Na época — 2006 — lá (Sobradinho) parecia longe, mas ainda assim necessário. Hoje, com o Distrito Federal todo tendo se transformado na chamada ‘grande Brasília’, não vejo como indispensável trazer para mais próximo.”

Outras alternativas

Segundo Marcus Ligocki, diretor de cinema, o polo deve ter como objetivo ser um um ponto para troca de experiências para produção de filmes com potencial para estarem nas principais janelas de exibição, o que é complicado de ser alcançado sem a presença de pessoas que entendam do processo cinematográfico.

“O Polo de Cinema é uma peça estratégica para isso, mas ele precisa ter essa perspectiva. Se não, ele não é exatamente algo relevante. Os mecanismos de financiamento que estão acontecendo hoje na cidade não estão adotando critérios mínimos para que os produtos acessem as principais janelas, para que essas obras sejam vistas e não estão gerando resultado”, comenta o diretor.

Para ele, a mudança de local do Polo de Cinema, como foi sugerido há alguns anos, seria benéfica para a cidade. “Trazer de uma área com pouca estrutura para dar assistência às produções, para uma área organizada, com boa infraestrutura, inteligência de negócios no centro de Brasília, é um excelente investimento. Sem dúvida nenhuma, isso é capaz de virar o jogo e tornar Brasília extremamente competitiva”, destaca Ligocki.

A situação atual do local, apesar do investimento, não tem gerado resultado para a cidade, e tem diminuído a presença de atores e realizadores brasilienses nas produções locais. “Isso é, na minha visão, uma forma de destruição. Tudo que os realizadores locais sabem não tem sido integrado de forma inteligente. Não há um projeto de desenvolvimento. Desperdício de recursos da população local, dos pagadores de impostos. Isso precisa ser mudado urgentemente”, finaliza o diretor.

Claudio Abrantes, secretário Cultura do DF

Em que condições de uso está o Polo de Cinema? Quais os últimos projetos de uso?

O Polo de Cinema passa por constantes manutenções para garantir que o espaço esteja em condições de uso. Atualmente, é utilizado pela Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa (Secec), que está elaborando um projeto para qualificação do espaço, com vistas a reverter os danos causados pelo tempo em que ficou parado em gestões anteriores. Não temos em nossos registros os últimos projetos que resultaram em produções audiovisuais de longa duração.

Há perspectivas de revitalização? Faz sentido ele estar em Sobradinho?

A Secec está em constante diálogo com a segmento do audiovisual. Somente neste ano, foram investidos mais de R$ 57 milhões no setor. A secretaria entende que o Polo de Cinema é um espaço importante para a história e a produção do DF.

Qual o montante anual para a gestão do espaço? E como devem ser feitos os pedidos de pauta?

O montante anual para manutenção do espaço é de R$ 600 mil, com previsibilidade de aumento nos próximos anos. Apesar de não haver pedidos existentes nos últimos anos, o processo segue o mesmo, via Brasilia Film Comission.

Erik de Castro, cineasta que usou o Polo para o longa Federal (2006)

O cinestas Erik de Castro usou o polo para o longa Federal (2006). “Foi maneiro filmar lá. Estrutura era boa. Salas de produção. Filmamos tanto no estúdio, uma interna, quanto uma externa, construímos um pequeno cenário ao ar livre. Memória positiva, boa. Na época — 2006 — lá (Sobradinho) parecia longe, mas ainda assim necessário. Hoje, com o DF todo tendo se transformado na chamada “grande Brasília”, não vejo como indispensável trazer para mais “próximo”. Para o polo ser colocado ali, houve um estudo, naqueles tempos, inclusive, no que tangia às rotas de avião. Por ali era mais silencioso. Atendia bem. Estúdio, não raro, é longe, por esses e outros motivos. Lembro-me que em preparação para o Federal fui aos EUA visitar o set do O Exterminador do Futuro 3, com o americano Allen Hall, chefe da equipe de efeitos do filme — que veio a fazer o Federal aqui com a gente em Brasília. Rodamos muito pelos arredores de Hollywoodland até chegarmos num estúdio a céu aberto, onde a equipe do Exterminador 3 havia montado seus cenários e seu universo. Estúdios algo distantes não são incomuns. O polo, onde está, se ainda estiver isolado das intercorrências sonoras da grande cidade, a meu ver, está bem localizado. Não houve burocracia para usá-lo, na época. Nos sentimos bem lá.

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Fonte:Ricardo Daehn/Correio Braziliense

Emícles Nogueira Nobre Júnior
Emícles Nogueira Nobre Júniorhttp://jornaldesobradinho.com.br
Jornalista Profissional DRT 12050/DF, Blogueiro, Gestor Comercial & Diretor Geral do Jornal de Sobradinho.
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