NERUDA NO BRASIL
O amargo ano de 1968 no Brasil foi marcado pela perda completa da inocência. A brutalidade, as atrocidades e as barbáries mostraram definitivamente suas faces mais perversas.
Cantou Gilberto Gil na música “No Woman No Cry”:
“Amigos presos, amigos sumido assim, pra nunca mais.
Nas recordações retratos de um mal em si.
Melhor é deixar pra trás.
Não, não chore mais… não, não chore mais.”
Em meio a este ambiente de medo, desesperança, com uma ditadura intensa, com sua vitalidade renovada, a cada ação desumanizadora, coexistíamos à selvageria.
Como um alento ao arbítrio e ao censurável desembarcava no Rio de Janeiro uma brisa de lirismo, a transfiguração da linguagem humana em arte, estética e beleza.
Pablo Neruda, um dos gigantes da literatura do século XX, chegara para visitar seus amigos, Rubem Braga e Fernando Sabino.
Tínhamos entre nós o futuro Prêmio Nobel de Literatura – fato ocorrido no ano de 1971. Neruda, vítima do mesmo modo do arbítrio, de um golpe ditatorial que viria a ocorrer, em 1973, no seu amado Chile, queria apenas curtir a boa conversa, a praia e a reflexão.
Homem de esquerda firme em suas convicções, em seu discurso ao receber o Nobel de literatura proferiu: “De tudo isso, amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos demais homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos levam ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é preciso atravessar a solidão e a aspereza, a falta de comunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar torpemente ou cantar com melancolia; mas nessa dança ou nessa canção estão consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de ser homem e de crer em um destino comum.”
Neste trecho Neruda demonstrava sua fé e sua consciência.
Sua visita ao Brasil no ano de 1968 representou, mediante o obscurantismo ditatorial, um alento, uma brisa em meio ao caótico e repugnante ambiente.
Enfim, tínhamos um pouco de poesia.
(*) Por Henrique Matthiesen, Bacharel em Direto e Jornalista – Colaboração para o Jornal de Sobradinho