“EJA em multietapas é retrocesso”, dizem professores e alunos; sistema será questionado no Ministério Público
A estudante Maria José, de Samambaia, reclamou que sempre “vai haver alguém desassistido” devido ao fato de alunos em diferentes níveis de aprendizado estarem na mesma sala de aula
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi tema de comissão geral no último dia (25) no plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O debate reuniu professores, orientadores e estudantes de centros de ensino de diversas regiões administrativas do DF, a exemplo de Samambaia, Ceilândia, Gama e Plano Piloto. De forma unânime, os participantes reclamaram da adoção do sistema multietapas (que reúne diferentes séries numa mesma turma) na EJA.
O líder do Bloco Sustentabilidade e Educação (PV/Avante), deputado Professor Reginaldo Veras (PV), propôs a realização da comissão geral e se comprometeu a formular um documento com as demandas apresentadas e encaminhá-lo à Secretaria de Educação. Além disso, o parlamentar disse que irá acionar a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) a respeito do cumprimento das metas do Plano Distrital de Educação (PDE), em especial no que concerne às salas multietapas.
“O governo Ibaneis Rocha praticamente virou as costas para a educação em seus quatro anos, e agora quer acabar com a EJA, com o ensino noturno”, criticou Carlos de Souza Maciel, diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro). O docente prosseguiu: “Após uma pandemia voraz, quando muitos alunos abandonaram a escola, o governo justificou a criação de classes multietapas, colocando alunos de diferentes séries numa mesma turma, por não ter número suficiente de matriculados para turmas separadas”.
A mudança aconteceu na volta às aulas este mês e surpreendeu professores e alunos. “Fomos pegos de surpresa em primeiro de agosto, quando fomos alertados de que alguns colegas seriam devolvidos porque estava sendo adotado o sistema multietapas de ensino em relação à EJA. Isso nos causou estranheza, questionamos e não obtivemos respostas”, contou Glayce Helena Barbosa Alves de Almeida, professora da Educação de Jovens e Adultos.
“O sistema multietapas é um verdadeiro atraso e retrocesso, é inconcebível no Distrito Federal”, avaliou Almeida. “Lidamos com processo de ensino-aprendizagem, para que os alunos tenham uma assimilação ativa dos conhecimentos. Com a junção de turmas, um estudante da EJA que levaria um ano para a primeira e segunda séries, agora faz as duas em um semestre”, continuou.
“Juntar estudantes de séries diferentes numa mesma sala de aula deixa o professor maluco e é um desestímulo para aqueles que estão fazendo um esforço para se alfabetizar”, observou a presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura (Cesc) da CLDF, deputada Arlete Sampaio (PT).
Ela destacou a alegria por ter participado do lançamento do ProEJA (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos), na Ceilândia, com a presença de Paulo Freire.
Além disso, vários professores reclamaram da falta de busca ativa de estudantes para a EJA, com o retorno das aulas presenciais. “A secretaria não atacou a evasão escolar: muitos alunos adultos não retornaram por medo da pandemia e da doença e por falta de cartões mobilidade e de segurança para a locomoção, à noite, para as escolas”, apontou Glayce Almeida.
A voz dos aprendizes
Os estudantes também não gostaram da adoção do sistema multietapas. “São duas turmas juntas, sempre vai ficar gente desassistida”, reclamaram alguns. Diversos alunos narraram suas experiências de vida, a maioria marcadas pela falta de oportunidades, e apontaram as salas de aula da EJA como espaços para a conquista de autonomia e realização de sonhos.
É o caso de Francisco Santos, da Escola Meninos e Meninas do Parque – única do DF com foco em jovens e adultos em situação de rua. “As pessoas não têm ideia da importância que a escola tem para a gente, para quem está jogado nas marquises, dormindo no papelão, sem expectativa de sonhar. A EJA é muito importante para nós, tem de ampliar. Queremos aprender, viver e ter futuro”, disse.
Atualmente, a Escola Meninos e Meninas do Parque oferece os dois primeiros segmentos da EJA (o 1º corresponde aos anos iniciais do Ensino Fundamental; e o 2º segmento, aos anos finais do Ensino Fundamental). Santos defendeu a implantação do 3º segmento (equivalente ao Ensino Médio) naquele centro.
A importância da EJA como política de inclusão social foi ressaltada por vários na comissão. O deputado Professor Reginaldo Veras citou o exemplo de um aluno que passou pela EJA e hoje leciona numa universidade dos Estados Unidos. “Isso mostra que a política de inclusão dos que não puderam estudar no período adequado, quando feita com seriedade, é uma política de inclusão social que deve ser levada a sério”, argumentou o distrital.
Por sua vez, a estudante Maria da Conceição (57 anos), do CEM 304 de Samambaia, disse ter podido ingressar na escola já com os filhos formados. Ela está na Etapa 3 da EJA e contou ter ficado “triste” quando as aulas retornaram em agosto. “Quero aprender. Cadê a Secretaria da Educação neste debate? Sou cidadã, pago imposto e gostaria de respostas”, disse.
Assim como a estudante, outros participantes da comissão também lamentaram a ausência de representantes da secretaria na discussão.
Fonte: Denise Caputo – Agência CLDF – Foto: Renan Lisboa (estagiário)/CLDF