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Chapada dos Veadeiros está mais ameaçada pela grilagem de terra

Desde o início da pandemia, moradores da região apontam piora da situação. Posicionamento do governo federal diante às questões ambientais interfere nas invasões

 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Criado em 1961, por meio de um decreto do presidente Juscelino Kubitschek, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV), localizado a 259 km de Brasília, sempre sofreu com um histórico de ameaças em relação aos próprios limites e, consequentemente, com a devastação ambiental. Hoje, a área de 240.611 hectares, reconhecida desde 2017, e terras das comunidades quilombolas localizadas próximas ao parque, sofrem com invasões de grileiros e até de garimpeiros. Desde o início da pandemia, moradores da região, que se sentem desamparados, apontam a piora da situação.

Segundo estudiosos da região, alguns fatores têm aumentado o problema da grilagem na região. “O fato de a gente ter em tramitação um projeto de decreto legislativo tentando revogar a ampliação do parque dá muito espaço e ânimo para aqueles que têm interesse em grilar terras na Chapada dos Veadeiros”, explicou Isabel Figueiredo, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e membro da Associação Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (AVE).

O projeto de decreto legislativo (PDL) citado por Isabel é o 338/2021, de autoria do deputado Delegado Waldir (União-GO), que prevê a redução de até 73% da área de conservação do Parque Nacional. A proposta é a derrubada do decreto assinado em 2017 pelo então presidente Michel Temer, que na época ampliou a área de conservação do parque — de 65 mil hectares para 240 mil hectares. A justificativa seria que a ampliação da área poderia deixar centenas de agricultores sem fonte de renda.

Para a assessora técnica do ISPN, ainda que o projeto esteja em tramitação, o debate dele já gera danos. “Não precisa um projeto de lei ser aprovado para ele começar a gerar um monte de malefícios no campo. Um exemplo disso é a questão da mineração em terras indígenas. A partir do momento que o Congresso passa a discutir, o pessoal em campo já está detonando”, criticou.

Para além da discussão de uma redução do parque, o posicionamento do governo federal diante das questões ambientais também interfere indiretamente nas invasões de terras. O presidente da Associação Kalunga Comunitária do Engenho II (AKCE), Adriano Paulino, acredita que as falas vindas do governo atual impulsionam as invasões. “Quando você tem um ministro que diz que, no momento da pandemia, era a hora de passar a boiada, começa a mudar o cenário. Quando você está no governo e é exemplo nacional, é preciso medir muito o que falar. Com o governo dando carta branca para todo mundo, a gente tem muito a perder”, destacou o líder comunitário.

Invasões

Adriano relata que a comunidade tem presenciado tentativas de invasões. “Na semana passada, por exemplo. Aqui na comunidade, a gente teve um fazendeiro que estava trazendo búfalos para criar, mas conseguimos barrar”, relembrou. Essas tentativas aumentaram durante a pandemia da covid-19. “Ficamos mais desassistidos pelo governo”, ponderou.

Para barrar as invasões, a primeira ação tem que partir da própria comunidade, aponta o líder comunitário. “A partir desse primeiro conflito que vem o governo e outros órgãos. Mas tudo começa a partir do nosso combate. Se isso não ocorrer, não tem essas outras ações. Por isso, nós nos sentimos desamparados e inseguros”, analisou. Diante disso, até mesmo a presença de garimpeiros já foi constatada pelas comunidades tradicionais, segundo o presidente da AKCE. “Existem invasões por conta do garimpo. Não é com grande expansão, mas também existe e ameaça nosso território”, disse.

Desmatamento

Além da grilagem e do garimpo, existe também a invasão dos limites do parque. A taxa de desmatamento no entorno do PNCV supera em mais de 10 vezes a taxa ocorrida no interior. Dados levantados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), como parte do Projeto Prodes, apontam que, de 2017 a 2020, foram desmatados 141,2 hectares dentro do parque. Enquanto isso, os desmatamentos ocorridos no entorno somam 1.540 hectares. “São aquelas pessoas que vão mordendo uns pedacinhos, quem faz divisa com o parque e resolve construir uma propriedade do outro lado, onde é proibido”, apontou Isabel. Segundo a especialista, a maior parte das pessoas sabe que não pode e faz essa invasão de má fé apostando na revogação da expansão do parque.

A voluntária também frisa que o processo de especulação imobiliária na Chapada dos Veadeiros cresceu de maneira “inacreditável” diante do crescimento do turismo na região. Dessa forma, a discussão de regularização fundiária e a consolidação territorial do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é considerada estratégica e prioritária para a gestão do PNCV.

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pri-1704-chapada(foto: pri-1704-chapada)

Três perguntas para

Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil

Como é considerada a situação atual da grilagem de terras em todo Brasil? Isso piorou nos últimos anos?

A grilagem de terras no Brasil é um problema sistêmico e histórico. No entanto, ao menos na região da Amazônia existiu uma piora nos últimos anos. As áreas que mais sofrem com a atividade ilegal são as florestas públicas não destinadas, que são aquelas que estão sob domínio do Estado ou da União, mas ainda não tiveram a destinação definida por esses entes. Essas áreas não poderiam ser apropriadas e desmatadas. Logo, o desmatamento que ocorre nesses pontos tem forte indicativo de ser consequência da grilagem.

De que forma a grilagem de terras é prejudicial ao meio ambiente? Como ele impacta na proteção ambiental?

O desmatamento é, muitas vezes, parte do processo da grilagem. Primeiro, o grileiro encontra essas terras, que são de domínio público, não destinadas. Apostando que o status dessas áreas vai ser alterado, ele desmata para mostrar que existe posse daquela área. Muitas vezes, ele até coloca um pouco de gado para demonstrar que tem um uso produtivo. Então, a grilagem acaba sendo prejudicial não só ao patrimônio público, mas também ao meio ambiente. Porque, ao avançar com ela, desmata-se e prejudica-se a biodiversidade do local, se emite gases do efeito estufa, o que contribui com o aquecimento do planeta, dentre outros impactos.

Quais são as formas mais eficazes de barrar essa atividade no país?

Primeiro, o Congresso Nacional deve rejeitar os projetos de lei da grilagem que visam alterar os critérios da regularização fundiária. Da maneira como estão sendo propostos, só vão beneficiar grileiros e estimular mais desmatamentos. Em segundo lugar, é importante reverter todo o desmonte que foi feito na fiscalização ambiental. Precisamos dos órgãos ambientais fortalecidos e de atividades de fiscalização eficazes com aplicação de multas e mecanismos que façam com que estas sejam pagas. É importante fortalecer também os órgãos fundiários. Ao invés de mudar a legislação para trazer celeridade a processos de regularização fundiária, nós precisamos fortalecer esses órgãos que fazem esses processos. E por último, e talvez um dos elementos mais importantes, tanto Estado como a União devem destinar essas florestas públicas ainda não destinadas para conservação, uso sustentável e reconhecer o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais. Além disso, o estado deve retomar as terras que foram griladas no passado.

Fonte: Maria Eduarda Cardim/Correio Braziliense, Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Emícles Nogueira Nobre Júnior
Emícles Nogueira Nobre Júniorhttp://jornaldesobradinho.com.br
Jornalista Profissional DRT 12050/DF, Blogueiro, Gestor Comercial & Diretor Geral do Jornal de Sobradinho.
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